
O SEMINÁRIO DOS RATOS
Autor: Lygia Fagundes Telles
COMENTÁRIOS ETAPA
Movimento literário: Conto
“Seminário
dos ratos” é o conto de fechamento da coletânea homônima, que possui 14 narrativas.
O fato de ser o último do livro e ao mesmo tempo nomeá-lo, já traduz a
importância desta narrativa.
O
vocábulo “seminário” remete à pesquisa universitária, um congresso científico
com debates, que, no enredo, serve para estudar e combater a disseminação dos
ratos que gira em torno de cem para cada habitante. A locução “dos ratos”,
sintaticamente, exerce função de adjunto adnominal e de complemento nominal, ou
seja, seminário para se estudar os ratos bem como seminário feito pelos ratos.
A simbologia sobre “ratos” é extensa, mais geralmente está associada à
covardia, ao nojo, à delação, à pobreza, ao horror e ao asco.
Narrado
em terceira pessoa onisciente, a ação se passa em um país fictício, atemporal,
porém, relaciona-se fortemente com a data de publicação do livro (1977), ou
seja, em referência ao cenário autoritário da ditadura. A ação se dá próxima ao
entardecer, ocasião em que ocorrerá um seminário, o sétimo, que tem espaços
denominados como “ suíte cinzenta”, “Salão Azul” e “Sala de Debates”, em um
lugar que tem estrutura para abrigar os participantes do seminário (também
referido como Quartel-General”),
algo
como uma casa de campo retirada da cidade, um casarão do governo que acabara de
ser reconstruído a preços altos, especialmente para a realização do congresso,
com aeroporto e eletrônicos em geral, indício de comodidade e de riqueza.
O panorama político é o do processo de abertura e
do ponto de vista econômico, o cenário é de crescente inflação. Além disso, nas
últimas décadas do século XX, nas artes de maneira geral, vigora um viés
apocalíptico devido à proximidade do final do milênio, clima amplamente captado
pela narrativa.
As personagens são nomeadas
mediante as funções profissionais e cargos hierárquicos, gerando um enfoque nos
papéis sociais, abolindo a individualidade e criando a elevação de uma mera
ocupação na malha burocrática, como usualmente são descritas sociedades
futuristas e distópicas. A descrição física costuma aludir pormenores
psicológicos, traçando o perfil ideológico e humano dos caracteres.
O enredo trata de um
congresso para combater ratos, o sétimo, na verdade. No momento da narrativa, a
população ratal multiplicou-se sete mil vezes, com cem ratos para cada
habitante. Fica sugerido que esse seminário seria também para acalmar a
imprensa acerca desse crescimento gigantesco.
O conto
inicia-se com a conversa entre o Chefe das Relações Públicas com o Secretário
do Bem-Estar Público e Privado que perdura quase todo o texto. Nessa conversa,
em que a hierarquia política fica explícita, debatem a organização do
seminário, a chegada dos convidados, o coquetel de recepção, a repercussão na
imprensa, quando um ruído passa a ser percebido pelo Secretário do Bem-Estar
Público e Privado, “um barulho esquisito, como se viesse do fundo da terra”,
que se intensifica durante a conversa.
No
seguimento do diálogo, criticam o povo e a iniciativa privada. Fica marcado o
desespero da população, que teria cozido todos os gatos para comê-los, o que
denota um povo miserável. Conforme a conversa evolui, o ruído intensifica-se a
ponto de parecer um “vulcão”. O Chefe das Relações Públicas decide averiguar
pessoalmente o que está acontecendo e deixa o gabinete do Secretário. No
corredor, encontra o Diretor das Classes Conservadoras Desarmadas e
Armadas que lhe informa que o telefone está mudo e agora está privado de se
comunicar com a Presidência.
Na
sequência, o Chefe das Relações Públicas encontra o Cozinheiro-Chefe, que lhe
informa da invasão dos ratos e que eles devoraram toda a comida “até os panos
de prato eles comeram” e depois saíram guinchando da cozinha. O cozinheiro
informa-lhe ainda que o casarão está esvaziado e todos os funcionários já
fugiram a pé, pois todos os carros pararam de funcionar uma vez que os ratos
teriam comido todos os fios dos carros. Isso o torna o casarão incomunicável e
ainda mais isolado, conferindo um clima de horror ao texto.
Nesse
momento, os ratos perpetram o último assalto ao casarão “como se um saco de
pedras borrachosas tivesse sido despejado em cima do telhado”. O Chefe das
Relações Públicas é atacado e mordido, fugindo para conseguir abrigo apenas
dentro da geladeira.
Depois,
no inquérito que se levantou para apurar o ocorrido, o Chefe das Relações
Públicas não soube precisar quanto tempo tinha ficado dentro da geladeira.
Quando o silêncio e o movimento cessaram, saiu da geladeira à luz do luar. Nada
havia sobrado, só as pareces nuas. Correu desesperado pelo campo, fugindo do
casarão. Quando olhou para trás, o casarão estava todo iluminado, sugerindo a
tomada de poder completa dos ratos.